LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL EM INFORMÁTICA
Roberto da Silva Bigonha

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As atividades profissionais de Informática tiveram início no Brasil na década de 50, quando foram importados os primeiros computadores, aqueles que funcionavam a válvulas.

Nos anos 60, a utilização destes equipamentos expandiu-se, tendo sua programação, notadamente voltada para fins administrativos e científicos, ficando a cargo de profissionais com formação em áreas tão diversas como Engenharia, Economia, Administração e Ciências Exatas. Como naquela época ainda não havia no País cursos formais de Informática, estes profissionais, os fundadores da área, adquiriram competência técnica diretamente do exercício profissional e pelo autodidatismo.

Na década de 70, a Informática brasileira consolidou-se, atingindo um patamar de grande importância em seu desenvolvimento com a definição, pelo Congresso Nacional, de uma política industrial para o setor, e do ponto de vista profissional, com a criação dos primeiros cursos superiores na área. A pós-graduação havia começado um pouco antes, em 1968, na PUC-Rio, onde um bom número dos professores hoje atuantes nos departamentos de Computação de nossas universidades fizeram seus mestrados ou doutorados.

Nas duas últimas décadas, o advento dos microcomputadores, seu rápido barateamento, a consequente descentralização dos sistemas de informação, a criação da Internet, contribuíram para uma forte disseminação do uso do computador nas mais diferentes áreas das atividades humanas, ensejando a descoberta de novas aplicações, e com isto incentivando o surgimento de profissionais com formação multidisciplinar e de variados perfis. A área então expandiu-se muito rapidamente, grande parte devido ao seu peculiar fascínio que naturalmente exerce sobre muitos, e também pelas possibilidades de pleno emprego, boa remuneração e oportunidades favoráaveis ao empreendedorismo, mesmo nos frequentes períodos de crise econômica vividos no País.

Hoje atuam no mercado brasileiro de Informática milhares de profissionais com os mais diversos perfis de formação, níveis e graus de competência profissional, atendendo a demanda da sociedade em uma ampla gama de serviços, desde os mais sofisticados e de alta tecnologia, como os ligados a automação e controle industrial, até os mais simples como pequenos sistemas de controle de empréstimos de fitas em vídeo-locadoras.

Diferentemente de outras áreas do conhecimento humano, a Informática permeia de forma profunda quase todas as áreas existentes. Para resolver problemas com nível adequado de qualidade, além dos conhecimentos técnicos de Informática, o profissional deve possuir competência nas áreas da aplicação específica, sejam elas de engenharia, medicina, administração, música, etc. Se no início a multidisciplinaridade da formação profissional era uma consequjncia direta da inexistência de cursos com formação específica, hoje é uma exigência para atender a demanda da sociedade por aplicações novas e cada vez mais sofisticadas. E multidisciplinaridade se constrói sobre as bases férteis da liberdade de atuação profissional.

Os precursores dos atuais sistemas de fiscalização de atividades profissionais, isto é, dos conselhos de profissão, datam por volta do ano 1260. Durante séculos, estas instituições se legitimaram perante a sociedade oferecendo-lhe responsabilidades, como, por exemplo, garantia de qualidade de bens e serviços, e recebendo em retorno privilégios como reserva de mercado de trabalho. De uma forma geral, os objetivos básicos destas instituições foram: definição do perfil profissional; controle de qualidade do serviço ou produto e reserva de mercado de trabalho.

Os conselhos de profissões atuais são fundamentalmente órgãos de proteção da sociedade em sua interação com profissionais especializados. Sua existência é justificada com o argumento de que, entre outros, o relacionamento entre o cidadão comum e profissionais altamente especializados é bastante desigual, principalmente devido à complexidade do acervo do conhecimento de cada área. Estas dificuldades revelam-se claramente quando ocorrem disputas, onde, por exemplo, são necessários questionamentos e arguições.

Assim, os conselhos, ao contrário do que se pode imaginar, não devem ser vistos como instrumentos de defesa e proteção do profissional, nem mesmo pelo próprio profissional. Não é sem razão que as denominações sejam "Conselho de Medicina", e não "Conselho dos Médicos", "Conselho de Engenharia", e não "Conselho dos Engenheiros", etc.

Em certas áreas profissionais, a necessidade dos conselhos e sua importância encontram fortes justificativas, mas, para a Informática, dada as suas particularidades, a saudável liberdade de exercício da profissão, que comprovadamente tem trazido muitos benefmcios para a sociedade, e que, frequentemente, os serviços de informática redundam em produtos, são desejáveis mecanismos mais modernos de proteção da sociedade contra a atuação do mau profissional. Controle de qualidade dos produtos desenvolvidos poderia ser bastante apropriado para este fim. O próprio Código de Defesa do Consumidor oferece também dispositivos e procedimentos necessários.

A Informática aproxima-se dos seus 50 anos de incontestável sucesso, que foi alcançado em regime de plena liberdade de trabalho. A profissão, em praticamente todo o mundo, continua sendo exercida livremente, dela participando todo o tipo de perfil profissional. Para a maior parte dos profissionais, cuja competência lhe garante a manutenção do emprego, do contrato de prestação de serviço e boa remuneração, tudo isto é muito saudável, porque, no mínimo, diversifica as oportunidades.

A sociedade, mesmo sem dispor de qualquer tipo de regulamentação especial para a área de Informática, soube, até agora, proteger-se da atuação do mau profissional.


Jornal: Hoje em Dia 28/12/98
Autor  : Roberto Silva Bigonha - Professor Titular do Departamento de Ciência da Computação da UFMG