Como fazer uma Dissertação de Mestrado:
Uma análise reflexiva
sobre a ironia do processo
(Autor especialmente
convidado: Luiz Fernando Jacintho Maia, Dr.)
UFSC-CTC-INE
(lembrar de fazer
depois)
Após acompanhar o processo de
desenvolvimento de várias dissertações de mestrado e
várias bancas avaliadoras, após conversar com alguns colegas
e perceber que todos enfrentam situações semelhantes com seus
orientados, chegamos à conclusão de que seria necessário
escrever um pequeno ensaio sobre o processo de realização de
um mestrado, especificamente na área de informática na
educação.
Este trabalho utiliza a
ironia, o que para quem não
sabe, é uma forma de discurso que busca usar o humor para trazer uma
mensagem. Como existe muita gente sem senso de humor é necessário
deixar bem claro que os conselhos deixados abaixo não são para
ser seguidos em sua forma literal. Eles trazem mensagens implícitas,
que se você olhar com discernimento poderá perceber fatos e
situações que acreditamos são quotidianas na vida
acadêmica. Outros fatos e situações são completamente
irreais, mas nós os achamos engraçados e incluímos assim
mesmo.
Este trabalho é direcionado
aos estudantes de mestrado, especialmente aos de informática na
educação, que poderão achar aqui excelentes dicas sobre
o que não se deve fazer
durante o mestrado.
Não pretendemos aqui ridicularizar
pessoas reais, mas se você se identificar com alguma das
situações descritas abaixo, bem... quem mandou você agir
assim? Não nos culpe!
Durante o mestrado é interessante
que você desapareça por uns três ou quatro meses, e depois
telefone para o seu orientador, de preferência em um sábado
à noite ou domingo pela manhã, para dizer que está
desesperado com o seu trabalho. Orientadores adoram ouvir que seus alunos
estão desesperados. Isso os deixa satisfeitos, pois cumpriram seu
primeiro dever, que é o de desesperar os alunos. Você já
deve ter percebido isso, quando após a primeira conversa seu orientador
lhe passou 45 artigos em inglês e 2 livros em eslovaco para você
ler e apresentar uma análise crítica em duas
semanas.
Bem, depois de ficar feliz com sua
condição atual, seu orientador vai perguntar o que você
fez nestes três ou quatro meses. Diga que você não teve
muito tempo (ou seja, nenhum tempo) para dedicar à dissertação
porque:
a) O serviço na firma tem lhe
ocupado muito;
b) Você viajou
muito;
c) Você teve problemas em
casa;
d) Você está com fobia
de dissertação e a psicóloga ainda não conseguiu
tratar isso;
e) O cachorro comeu seu trabalho; ou
f) Qualquer outra desculpa
esfarrapada.
Outra forma interessante de abordar
seu orientador é lhe enviar um e-mail e quinze minutos depois ligar
para ele perguntando se ele leu o seu e-mail. Como ele certamente não
leu, porque estava fazendo coisas menos importantes, isso já o deixa
na defensiva.
Mas se você realmente quer ficar
por cima, faça o seguinte:
a) Envie e-mails para seu orientador
a partir de um endereço falso. Sempre que ele tentar responder, vai
receber seu e-mail de volta.
b) Telefone para o escritório
dele nos horários em que você sabe que ele está em aula.
Faça isso durante umas duas semanas. Deixe sempre recado para ele
retornar a ligação e um número de telefone que não
existe.
c) Finalmente, descubra quando seu
orientador viaja e vá ao seu escritório nestes dias. Reclame
com todo o mundo que você nunca o encontra e que ele não responde
os seus e-mails nem seus telefonemas.
Pronto, você já conseguiu
um respeito profundo pelo seu orientador e a partir de agora ele vai deixa-lo
em paz.
Quando o orientador exigir que você
leia alguma coisa, não faça isso. É melhor tentar tirar
a dissertação da sua imaginação, pois a leitura
de textos científicos pode poluir suas idéias com coisas estranhas
como estado da arte, trabalhos relacionados, etc.
Lembre-se, não estamos interessados em arte, nem em relacionamentos,
mas em computação.
Se o orientador lhe pedir para ler
alguma coisa em inglês, diga que isso leva muito tempo e exija bibliografia
em português. Sempre existe alguma tão boa quanto, mesmo que
seja de 15 anos atrás.
Outra coisa fundamental: jamais leia
qualquer material que tenha menos de 10 anos de idade. Lembre-se que o tempo
traz a maturidade. Assim, as idéias de 10 anos atrás são
muito mais sólidas do que qualquer coisa que foi publicada semana
passada. Uma bibliografia bem antiga e respeitável: isso é
o que dá substância a uma dissertação na área
de computação.
O título da dissertação
é um ponto muito importante. É a primeira coisa em que o leitor
vai colocar os olhos. Portanto, faça ele grande. Três linhas
de texto e não se aceita menos! Coloque no título toda a
informação possível sobre o seu trabalho. Mesmo que
o trabalho depois acabe sendo desenvolvido de uma forma diferente que não
tenha nada a ver com o título, é absolutamente proibido mudar
o mesmo, e você deve mantê-lo a todo o custo. Muitos alunos perguntam
se podem mudar o título do trabalho depois que registraram o projeto
no seu ingresso no mestrado e a resposta é claramente
NÃO!.
Sobre o formato do título, ainda
é importante frisar que ele deve ter obrigatoriamente dois pontos
(:) em algum lugar, dividindo o título principal do
subtítulo. Você viu o título deste artigo? À guisa
de exemplo, considere a correta colocação dos dois pontos no
título abaixo:
Influência da
salivação das formigas nas rachaduras das calçadas:
um estudo comparativo entre os métodos de diagonalização
simples e triangulação complexa
Você não sabe, mas o
título deste artigo tinha apenas duas linhas. Isso não é
desejável, mas colocado em fonte 20, como fizemos, conseguimos o efeito
apropriado, com o texto em três linhas.
Outra forma muito elegante de usar
os dois pontos é quando você desenvolveu um
software/modelo/proposta/etc., que tenha como nome uma sigla engraçadinha.
Coloque o acrônimo antes dos dois pontos e o nome por extenso logo
depois. É possível ainda adicionar um subtítulo, mas
a maioria vai achar suficiente apenas o acrônimo e sua
explicação por extenso. Veja o exemplo
abaixo:
PATETA: Parâmetros Associados
de Testes Empíricos para Tratamento
Alternativo
Observação: a palavra
empírico é muito empregada em dissertações
na nossa área. Procure usa-la sempre que possível.
Dialético também é importante; mesmo que
você não saiba o que é isso, use!
Se você for louco para publicar
seu trabalho em inglês, use siglas charmosas como: SHIT: Software
& Hardware Integration Technology, ou CACA: Computer-Aided
Cognitive Adaptation.
Se você não conseguir
produzir um título longo, use o algoritmo a
seguir.
Escreva o assunto. Ex.:
Hipermídia adaptativa
Acrescente no início: um
modelo de. Ex.: Um modelo de hipermídia
adaptativa.
Acrescente no fim: para uso no
processo de ensino/aprendizagem. Ex.: Um modelo de hipermídia
adaptativa para uso no processo de
ensino/aprendizagem.
Acrescente no início: um
estudo prático visando uma proposta de. Ex.: Um estudo
prático visando uma proposta de um modelo de hipermídia adaptativa
para uso no processo de ensino/aprendizagem.
Acrescente no final o famigerado
dois pontos e a frase uma nova abordagem. Ex.: Um
estudo prático visando uma proposta de um modelo de hipermídia
adaptativa para uso no processo de ensino/aprendizagem: uma nova
abordagem.
Use todas as regras ou apenas um
sub-conjunto delas. Tanto faz! Você está chegando
lá...
Todos sabem que uma dissertação
de mestrado é um trabalho individual. Por isso use sempre o plural
majestático. Veja abaixo alguns exemplos
interessantíssimos:
Nossa proposta visa construir
um sistema que...
Acreditamos que a
interação dos alunos com o
sistema...
Nós vos concedemos o
título de Sir ...
Outra coisa que dará muita
credibilidade ao trabalho é o uso da mesóclise pronominal.
Seguem exemplos:
A experimentação
do processo far-se-á através de...
Nossas hipóteses
confirmar-se-ão após...
Fi-lo porque
qui-lo.
O último exemplo não
consiste de uma mesóclise, mas mostra o efeito fantástico que
se pode obter usando ênclise no final de uma frase. É de muito
bom gosto e elegância.
Outra coisa, que você já
deve ter observado, se leu uma dissertação em
computação, é que primeiro parágrafo da
introdução deve ter necessariamente um adjetivo
megalomaníaco, que mostre a grandeza do seu trabalho. Seguem
exemplos:
O
impressionante crescimento da Internet
nos últimos anos...
É
cada vez maior o interesse pela
informática na educação...
A cada dia
mais e mais pessoas se conectam
ao maravilhoso mundo da era digital...
Segue normalmente ao parágrafo
com o adjetivo megalomaníaco um parágrafo ressaltando as
famigeradas novas tecnologias. Todos sabem que essas
tecnologias, sejam quais forem, tem mais de 20 anos, mas como
você está lendo a bibliografia de 15 anos atrás, continue
dizendo que elas são novas.
Uma vez um mestrando de alhures me
procurou durante um congresso e perguntou se a tese deveria ser
escrita com Latex. Eu perguntei o porquê da questão, e ele me
disse que o orientador dele achava que assim o trabalho ficaria mais
científico do que se ele usasse o Word. A resposta nesse
caso é que o orientador dele está redondamente enganado! O
motivo para usar Latex é que assim ele vai levar tanto tempo para
editar o texto que seu mestrado vai durar bem mais que os 18 meses recomendados
pela CAPES e assim ele pode manter a bolsa por mais tempo.
Você já deve ter ouvido
falar que a estatística é nossa amiga. Isso é verdade.
Aplicando os questionários certos da forma certa você pode provar
qualquer coisa que queira.
Apenas para exemplificar, conta a lenda
que um especialista em marketing resolveu fazer uma pesquisa para saber se as pessoas
costumavam responder questionários enviados para suas casas. Ele elaborou
um belo questionário onde a principal pergunta era se a pessoa costumava
responder questionários enviados à sua casa. De 1000
questionários enviados pelo correio ele recebeu de volta apenas 50,
dos quais 49 responderam sim a esta pergunta. A conclusão,
a partir do material recebido, era que 98% (49/50) das pessoas costumam responder
questionários enviados a suas casas.
Portanto, quando você quiser
avaliar seu software educacional, faça um questionário para
os alunos com perguntas do tipo você gostou do software?
(eles sempre gostam), você acha que iniciativas deste tipo deveriam
ser feitas mais seguidamente? (todos respondem que sim, porque enquanto
estão brincando com o software não estão tendo aula),
você aprendeu alguma coisa com este software? (todos respondem
que sim. Ninguém admite que não aprendeu nada para não
passar vergonha. É como aquelas pessoas que riem sem entender a
graça da piada. Você já percebeu que a quantidade de
gargalhadas é sempre maior e seu volume mais alto quando a palestra
é em Inglês?), etc.
Toda dissertação de mestrado
em informática na educação se divide em quatro ou cinco
capítulos. A seguir passamos a analisar cada uma das partes constitutivas
em suas características próprias.
O primeiro capítulo da dissertação deve ser a introdução. Neste capítulo você deve fazer um longo apanhado de toda a história da informática no Brasil e no mundo. De preferência inicie na pré-história. Se você não sabe nada sobre o assunto, não tem problema. Copie de outra dissertação. A banca vai adorar ler e vai aprender um pouco sobre este importante assunto tão atual neste final de milênio.
Outra coisa fundamental na
introdução, especialmente se você trabalha com
informática na educação, é fazer uma defesa
sobre a importância e atualidade do uso dos computadores nas escolas
e como estes professores reacionários não querem saber de usar
o computador porque tem medo. Nunca é demais repetir isso.
Se você quiser também reclamar do governo que nunca dá
verbas para a educação, este é o lugar para fazer
isso.
Em hipótese alguma fale de seus
objetivos no trabalho na introdução e nem dê pistas sobre
o que você fez na dissertação. Para que adiantar
informações que podem ser tranqüilamente lidas quando
o leitor chegar no capítulo 4?
Se o seu orientador for daqueles
dinossauros que ainda pede que se escreva objetivos no capítulo
introdutório, faça de forma que ninguém desconfie do
assunto da dissertação. Abaixo são citados alguns objetivos
genéricos que você pode perfeitamente usar em seu trabalho.
Não se importe em copiar, afinal texto é para ser copiado
mesmo:
Nosso objetivo é melhorar
a qualidade do computador na escola;
Nosso objetivo é aprimorar
nossos conhecimentos nessa importante área;
Nosso objetivo é trazer
uma contribuição para essa área tão
fundamental.
Existe um tipo de orientador ainda
mais reacionário que pede objetivos específicos.
Os objetivos específicos servem apenas para uma coisa: para deixar
o mestrando fulo da vida porque tem que escrevê-los. Nós realmente
recomendamos que você escreva objetivos específicos, porque
a banca vai pedir. Ou você pode usar isso como bode (fig. 1), deixando
de escrever os objetivos específicos para que os membros da banca
não percebam outros problemas mais graves no seu
trabalho.
Em hipótese alguma os objetivos
específicos devem trazer alguma informação sobre o trabalho.
Use como objetivos específicos uma listagem daquelas atividades que
são óbvias em qualquer dissertação. Dê
a elas um grau de importância maior usando alíneas com figuras
complexas como carinhas risonhas e, se possível, coloridas. Exemplo
de objetivos específicos:
:
Estudar o
assunto;
:
Implementar o
protótipo;
: Colher
resultados;
:
Escrever a
dissertação;
:
Agradar a
banca.
Outra forma de causar um excelente
impacto com o seu trabalho é usar e abusar das partículas
re entre parênteses para que uma palavra possa ser lida
de duas formas. Segue um exemplo: Neste trabalho queremos (re)pensar
a educação para (re)elaborar e (re)organizar esta área
de forma a (re)alizar uma significativa
contribuição.
A lei de ouro da dissertação
em informática na educação estabelece o
seguinte:
Toda dissertação
de mestrado em informática na educação deve ter como
capítulo 2 um apanhado da teoria de Piaget e
Vigotsky
Lembre-se, essa regra é fundamental.
Algumas dissertações mais antigas apresentavam apenas Piaget
no capítulo 2. Hoje é inaceitável um trabalho que não
resuma Piaget e Vigotsky. Mesmo que você não seja da área,
nunca tenha ouvido falar nestes caras, e não vai usar nada deles na
sua dissertação, é importante que você os cite,
senão os pedagogos podem achar que o seu trabalho não tem
fundamentação.
Aliás, a regra de prata, que
sempre acompanha a regra de ouro diz o seguinte:
O capítulo 2 é
o único lugar da dissertação onde Piaget e Vigotsky
são citados
Isso implica que a partir do capítulo
3 você deve esquecer completamente estes camaradas. Isso vai ser mais
fácil se você procurar não entender o trabalho deles
quando estiver copiando aqueles longos parágrafos do livro Para
entender Piaget ou Vigotski
for dummies.
Não se preocupe também
com o fato de que as teorias de Piaget e Vigotsky serem contraditórias
em muitos pontos. Afinal, isso é problema dos psicólogos. Se
você é formado em computação e durante o projeto
alguém questionar como você vai absorver estes conhecimentos
de outras áreas, diga que você tem uma tia que é
psicóloga e que ela vai lhe passar estes lances.
O capítulo com o desenvolvimento
do trabalho deve ser o mais curto possível. Nunca pode ocupar mais
de 10% da dissertação. Na nossa área é importante
que os trabalhos não sejam práticos. Análises,
comparações, avaliações, etc.: estas são
as palavras chave. Metodologia também é uma palavra
excelente para produzir nada. Veja os exemplos de desenvolvimento
abaixo:
Uma análise comparativa
entre X e Y - não faça comparação nenhuma.
Apenas descreva X e Y separadamente. Não tire
conclusões.
Avaliação do processo
Z. Avalie de acordo com a sua cachola. Nada de usar metodologia de
avaliação. Afinal você não encontrou nenhuma na
bibliografia que você não leu.
Uma proposta de metodologia para
W - proposta de metodologia é um desenvolvimento excelente para
sua dissertação. Proposta significa que você
não se compromete em desenvolver nada; está apenas propondo.
Metodologia significa que você realmente não vai
produzir nada mesmo. Escreva um blá-blá-blá
e se alguém se queixar diga que esta é a sua metodologia. Se
algum xarope insistir em reclamar, mande olhar no texto: a metodologia
está descrita lá, você vai dizer, é
apenas uma proposta.
Seguindo estes conselhos seu trabalho
será um legítimo AMUTS, ou seja, Apenas Mais Um Trabalho
Sobre... (adaptação livre do termo inglês YAPA
- Yet Another Paper About...).
Sempre que você não souber
como resolver um determinado problema em seu trabalho diga que vai usar
técnicas de IA (Inteligência Artificial). Ninguém
se importa em saber quais são estas técnicas, nem você.
Quando chegar a hora é só pegar o livro da Elaine Rich e achar
ali alguma técnica que lhe ajude a resolver o problema
de encontrar o último número primo. Use a força
bruta, dirá o livro. Então você pode começar
a espancar sua dissertação com
violência.
O capítulo de conclusões
é de extrema importância para uma boa avaliação
de uma dissertação de mestrado. Os membros de bancas somente
lêem os objetivos e as conclusões da dissertação
para ver se uns batem com os outros. Por essa razão, os objetivos
só podem ser escritos após as conclusões que, aliás,
devem ser o menos conclusivas possível.
Lembre-se que depois que Moisés
desceu da montanha com as duas tábuas da Lei contendo os dez mandamentos,
tudo o que se seguiu tornou-se difuso e relativo, inclusive as
interpretações dos dez mandamentos (Diz a lenda que eram 15
mandamentos em 3 tábuas de pedra, mas como era desajeitado para carregar
Moises deixou cair uma no caminho).
Reforçando: evite, a todo custo, ser conclusivo, permitindo
diferentes interpretações por parte da banca, podendo usar
para tanto desculpas na linha de não ser partidário de
radicalismos, não ser fundamentalista etc.
Se for absolutamente indispensável
que sua dissertação apresente conclusões realmente
conclusivas, siga o procedimento adotado por experimentados avaliadores de
cursos de pós-graduação, um segredo acadêmico
conhecido por poucos experimentados pesquisadores. O procedimento é
constituído por três passos:
a) Estabeleça as conclusões,
de forma a agradar plenamente a banca examinadora, sem criar
complicações para você;
b) Gere os dados e observações
que serão usados para justificar as conclusões estabelecidas
no passo anterior; e
c) Por último, descreva uma
metodologia que leve, de maneira racional, das
observações às conclusões.
Esse procedimento já foi usado
com sucesso em inúmeros trabalhos, justificando conclusões
como:
A aranha, sem pernas, fica surda,
pois não pula mais quando a gente manda
Um último conselho: produza
o abstract com um tradutor
automático sobre o resumo e não o revise, ou melhor, nem mesmo
o leia. É um excelente
bode (ver fig. 1)!
As referências bibliográficas
são de extrema importância para a credibilidade acadêmica
de seu trabalho. Se tudo o que
você disser em sua dissertação estiver respaldado em
adequadas citações de autores respeitados, seu trabalho será
considerado de bom nível acadêmico, mesmo que não contenha
nenhuma idéia original.
Colocar idéias originais na dissertação, sem
o respaldo de que essa mesma idéia já foi registrada por algum
autor consagrado, pode ser extremamente
perigoso. Os membros da banca
estarão atentos para essa situação e pegarão
no seu pé.
Muitos orientadores insistem em que
seus alunos listem as referências bibliográficas em ordem
alfabética do sobrenome do primeiro
autor. Não faça
isso! Apenas para criar caso invente uma ordem qualquer, pois membros de
bancas de mestrado, normalmente, procuram verificar se as referências
do texto constam da bibliografia.
Para que facilitar o trabalho deles?
Uma providência que pode facilitar
muito a sua vida, na hora da defesa, é colocar nas referências
bibliográficas artigos de autoria de membros da
banca. Você pode encontrar
essas referências consultando a plataforma
Lattes do CNPq, que deverá
conter o currículo atualizado dos membros da sua
banca. Se os membros da sua
banca não têm seus currículos na plataforma
Lattes, então você
começa a ter razões para se preocupar.
Outro lance que pode impressionar a
banca é colocar nas referências bibliográficas o nome
de um figurão da área e, em lugar da referência do livro
ou artigo, um lacônico comunicação pessoal,
seguido de uma data.
No meio do texto lembre-se: jamais
ler os originais, use sempre apud, se um texto é bom o
suficiente para ser citado por alguém, certamente será ótimo
quando você o citar de novo sem ler a fonte
original.
Para defender a sua
dissertação, você precisa escrever o texto final, que
será distribuído para os membros da banca e se constituirá
na peça central de sua acusação e execração
pública. Esse documento
deve ser redigido dentro de normas e preceitos rígidos, estabelecidos
pela metodologia científica, para ser respeitado como tendo um
mínimo valor acadêmico.
Alguns alunos começam, precoce
e furiosamente, a produzir páginas e páginas de texto, que
somente vão contribuir para aumentar sua frustração
quando o orientador mandar retirar essas páginas do texto
final. Puxa! Depois de
todo o meu trabalho, não vou aproveitar esse texto?. O melhor
é evitar de escrever qualquer coisa antes de ter uma idéia
completa da dissertação, do que deve ser escrito e do que não
deve ou não precisa ser colocado, ou por ser óbvio ou muito
trabalhoso de escrever. Com
essa idéia clara, você não vai precisar mais do que uma
semana para passar tudo para o papel!
Ao longo do processo de
orientação evite a todo o custo passar qualquer coisa escrita
para seu orientador, pois isso só lhe criará problemas
adicionais. Use desculpas
clássicas, como: só falta descrever o protótipo,
falta fechar a bibliografia, estou revisando a ortografia,
ou, até, não consegui
imprimir. Quando, finalmente,
você passar o texto completo para seu orientador, duas semanas antes
da data marcada para a defesa, será tarde demais para ele solicitar
qualquer alteração que não seja superficial. Imponha
sua decisão, personalidade e independência: afinal, você
é, praticamente, um Mestre!
Normalmente uma dissertação
é apresentada em 50 minutos. É fundamental que você divida
a apresentação em pelo menos oito partes e gaste 45 minutos
inteiros na primeira parte. Você vai poder perceber como a banca
estará relaxada quando após 45 minutos você disser
agora que vimos a introdução vamos dar uma olhada no
que dizem os 81 autores citados na revisão
bibliográfica.
Lembre-se de abusar das
transparências. O mínimo para 50 minutos de apresentação
é 100 transparências. Como você vai gastar 45 minutos
nas cinco primeiras, restarão apenas 5 minutos para as 95 restantes.
Assim, você poderá apresentar o grosso do trabalho a uma taxa
de aproximadamente 3 segundos por transparência. Reclame que teve pouco
tempo para apresentar.
Uma história verídica
relata que uma vez um candidato reclamou que não poderia falar tudo
o que ele sabia em 50 minutos. O presidente da banca foi direto:
Então fale BEM DEVAGAR E
PAUSADAMENTE!.
Depois da sua apresentação,
tenha paciência. Este é o momento de glória dos membros
da banca. Cada um vai agradecer o convite, lhe dar os parabéns pela
escolha do tema, tão difícil, desafiador e multi-disciplinar,
e em seguida vai tentar reduzir você a cinzas. Cada erro, cada
vírgula de seu trabalho, que não estiver de acordo com a
opinião da banca será delatada em público. Neste ponto
é importante observar que você deve se lembrar sempre de colocar
bodes no trabalho, ou seja, aqueles pequenos erros grosseiros
na forma, na paginação ou nas referências
bibliográficas, que fazem com que os membros da banca se satisfaçam
em delatar a sua incapacidade em escrever um texto bem acabado e não
percebam os erros muito mais profundos e importantes que o seu trabalho realmente
possui. É muito mais fácil arrumar um bode do que um erro
real.
Você já viu alguma vez
um membro da banca dizer simplesmente: Seu trabalho está muito
bom! Pode ser aceito como dissertação de mestrado e encerro
aqui a minha fala.? Não! Neste momento os membros da banca
sempre têm algum defeito
a apontar, mesmo que seja imaginário. Se você fosse membro de
uma banca avaliadora você se sentiria bem se não encontrasse
nenhum erro? Não! Isso provaria que o candidato ao mestrado é
mais inteligente do que você. Isso não pode acontecer em
hipótese alguma. Por isso é que os avaliadores se esmeram na
leitura do trabalho até encontrarem um erro. Então eles têm
o que falar da defesa. Concluindo: não esqueça do bode! (ver
fig. 1)
Existe uma prova matemática
de que um membro de banca sempre pode ter o que reclamar em uma
dissertação. A seguir faremos a
demonstração:
Seja
a o número de capítulos de sua dissertação.
Seja
b
um número inteiro entre 1 e
a:
1 d
b
d
a.
Seja
f(b) o número de páginas no capítulo
b,
onde
f(b) e 1.
Seja
x um número irracional positivo, que chamaremos de
limiar de intolerância do membro da banca. Seria absurdo
se este número fosse inteiro ou fração, portanto, por
redução ao absurdo, só pode ser
irracional.
Para qualquer valor de
f(b), se
f(b) <
x
o membro da banca dirá que o capítulo
b está
muito curto, para qualquer
b.
Se
f(b) >
x
o membro da banca dirá que o capítulo
b está
muito longo, para qualquer
b.
É impossível que
f(b) seja igual a
x
porque
x
é irracional e
f(b) é inteiro.
Portanto o membro da banca sempre
terá muito o que dizer sobre a sua dissertação.
¤ C.Q.D.
Se sua dissertação
também tiver alguma demonstração como essa, não
esqueça de mudar a fonte das variáveis para symbol.
Letras gregas sempre dão muito mais confiabilidade às suas
provas. Apenas certifique-se de saber como pronunciar o nome da letra, para
não passar vergonha na hora da defesa.
É fácil saber se um membro
da banca não leu a sua dissertação. Em geral, ele não
vai abordar questões de conteúdo; vai se prender a
observações sobre o resumo, o tamanho dos capítulos,
a quantidade de referências bibliográficas, e vai perguntar
onde você pretende aplicar este trabalho depois que for
concluído.
Quando você perceber que um membro
da banca não leu seu trabalho, você tem duas
possibilidades:
a) Desmascará-lo em público,
perguntando o que ele achou sobre a quadratura do círculo que você
não escreveu na dissertação. Quando ele disser que achou
o relato interessante você diz: Há! Eu nunca falei sobre
isso no texto!.
b) Aceitar o fato e deixar seguir o
baile.
Como a primeira opção
pode acabar em uma anulação da defesa, ou pior, nas vias de
fato, cremos ser melhor você optar conservadoramente pela segunda
opção. Mas nunca deixe de comentar este fato com seus amigos
nas rodinhas de cerveja: Lembra do professor Fulano? Pois é!
Ele nem leu minha dissertação, mas achou ótima!.
Depois de formado, nunca admita que
você trabalha com informática na educação, a não
ser que você queira ouvir do seu interlocutor tudo o que ele sabe sobre
esse assunto, que o sobrinho dele de 13 anos fez um programa para ensinar,
e que ele manja tudo de informática na educação, que
sabe mais que os doutores da universidade, etc.
Ao invés disso, invente nomes
esotéricos para sua área de pesquisa, como matética
computacional, semiótica da telemática,
cognição multi-evolutiva, maiêutica
transcendente etc. Ninguém vai querer seguir uma conversa se
você disser que está aplicando técnicas de
hipo-renderização bi-polinomial em assíntotas de
marcações não-lineares. Se você quiser realmente
espantar a pessoa ofereça-se para entrar em
detalhes.
Jamais use termos de uso comum como
inteligência artificial ou realidade virtual.
Infelizmente os não iniciados já se apropriaram destes termos,
a partir de filmes de Hollywood. Se você entrar numa discussão
sobre estes assuntos com eles você vai arrumar uma
úlcera.
Finalmente o trabalho futuro! Você
deve imediatamente após o mestrado engajar-se em um programa de doutorado
para agradar a banca que tanto quer ver seu trabalho ter continuidade. Mas
lembre-se, assim como o curso superior serve para dar direito a cela especial,
o doutorado tem uma serventia muito importante: quando, em uma discussão,
alguém lhe impuser sua posição dizendo disser Eu
sou doutor!, você pode responder Grande coisa! Eu também
sou!.
Procuramos durante 15 minutos na Internet
e não achamos nenhum artigo sobre esse tema. Concluímos, portanto,
que o assunto é inédito e este é um trabalho
pioneiro.
Sugestões:
raul@inf.ufsc.br